quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Os evangélicos e a pororoca gay


Vive-se sob o impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em legalizar as uniões homoeróticas. Uma Assembleia Constituinte soberana, tanto na intenção como na redação, restringiu esse instituto a um homem e uma mulher. Igualmente o Código Civil. A decisão do STF contrariou a intenção e o texto do legislador. A função legisferante é competência do Legislativo, mas as Medidas Provisórias (MP), os decretos e as portarias deslocam essa função para o Executivo, fragilizando a democracia. Vem crescendo essa indesejável função legisferante também por parte do Poder Judiciário, nas “interpretações” de evidente viés ideológico. Uma corte de militantes é outro risco para a democracia e para a segurança jurídica dos cidadãos. Outras “interpretações” não tardarão, impondo uma camisa de força sobre a liberdade do Legislativo quanto a essa matéria, como a PLC 122 -- um atentado à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. Ela foi aprovada na Câmara dos Deputados, ausentes todos os deputados evangélicos, e nenhum advogado representando qualquer organização protestante se fez ouvir no STF. Os escombros do Muro de Berlim caíram sobre as ideologias contemporâneas e o vazio foi preenchido pela chatice do “politicamente correto” (puritanismo de esquerda), pela defesa do multiculturalismo contra valores universais, pela cultura da morte, pelo relativismo pós-moderno e pela a agenda GLSTB, enquanto prospera o hedonismo consumista egoísta e alienante. Afirmei: “Pobre geração, que a única utopia que lhe restou foi a defesa da sodomia!”. A articulação internacional dos homossexuais e das elites secularistas foi a mais conhecida pela humanidade, com uma plataforma: descriminalização, retirada do rol das enfermidades (decisão política e não científica), legalização, paralisação dos oponentes sob a pecha de “homofobia” e, por fim, criminalização dos “homofóbicos”. Afirma-se o caráter natural, inevitável e irreversível dessa “orientação” (predestinação erótica). Igrejas demoraram a perceber a nova “revolução cultural”, e com um déficit de estudo sobre a sexualidade, se sentem ameaçadas e acuadas ou, pelo liberalismo teológico, legitimam o homossexualismo para a ordenação dos seus ministros e a bênção de uniões. O que se iniciou na Europa e na América do Norte chegou ao Brasil, como sempre: “As aves que aqui gorjeiam, gorjeiam como lá”. Em 1998 votei, com a maioria (mais de 80%) dos bispos anglicanos de todo o mundo, na Conferência de Lambeth, a Resolução 1.10, afirmando a sexualidade como um dom de Deus, a ser exercitada no matrimônio heterossexual monogâmico vitalício, reconhecendo vocações especiais para o celibato e a existência de pessoas com tendências homoeróticas, a serem acolhidas e escutadas pastoralmente, sob o princípio de ser a sua prática contrária ao ensino das Sagradas Escrituras. Os Cânones da Diocese do Recife acolheram esses princípios; a crise do anglicanismo é, em muito, decorrente da rebelião da minoria contra essa resolução. Em carta-aberta ao Senado, defendi a dignidade de toda pessoa humana, os direitos civis de todos os cidadãos, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a posição contrária à criação de um ente familiar homoerótico e à criminalização dos heterossexuais que não aceitam a normalidade do homossexualismo (heterofobia). Tenho afirmado que todo discurso científico é uma descrição da natureza caída (depravação total), que a inclinação/tentação homoerótica é uma das manifestações da queda, uma enfermidade espiritual, um desvio de conduta, um pecado, como tantos outros, que demanda, igualmente, arrependimento e novidade de vida. O sangue de Cristo lava todos os pecados, e o poder do Espírito Santo, pela igreja como comunidade terapêutica, ou pelos instrumentos científicos disponíveis, pode fazer nova todas as coisas, transformando-as à imagem do caráter de Jesus. Fui tachado de “retrógrado” e “homofóbico”. Seria discriminatório com os homossexuais se os tratasse de forma diferente dos demais pecadores. Não querem ser considerados pecadores, celebrando o “orgulho” da sua condição em “paradas” financiadas com o dinheiro do contribuinte, qualquer que seja o partido nas diversas esferas do poder estatal. Além do ensino e da pastoral interna, temos um mandato cultural, a necessidade de evangelizar a cultura, o dever de expor e propor os direitos e os deveres naturais, os valores do reino e a busca do bem-comum na esfera pública, o exercício do profetismo, a pecaminosidade universal e a possibilidade universal de perdão, reconciliação, conversão e santificação. Devemos pregar nos templos e nos espaços públicos (os “areópagos”) o que as Escrituras ensinam, e o consenso dos fiéis o entendeu por 2 mil anos. Não podemos aceitar o veto do espírito do século, ou revisar conceitos (não preconceitos), “humanizar Deus” buscando respeitabilidade, ou abandonar os ex-homossexuais. As “pororocas” da história passam. A Igreja permanece. O “evangélico” protestantismo, já não é tão amplamente “evangélico” assim. Além do fundamentalismo, o liberalismo é um desafio concreto.


• Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política -- teoria bíblica e prática históricaA Igreja, o País e o Mundo -- desafios a uma fé engajada e “Anglicanismo -- identidade, relevância, desafios”.
www.dar.com.br

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